terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O fim da ESPN como conheciamos

Por Rafael Mendes



É tarde da noite, eu não consigo dormir o que é uma coisa normal, mas dessa vez tem algo martelando na minha cabeça e que venho pensando há alguns meses, me afligindo a algum tempo é o futuro da ESPN e com a saída de Paulo Vinicius Coelho do seu quadro de profissionais, parece óbvio que deixou de ser uma paranoia minha para “ai meu deus esse canal que eu gostava tanto tá acabando”.

Mas e dai? É só TV, pode dizer você.

Eu me importo, a ESPN foi por um longo período de tempo, o único meio em que o futebol era levado a sério de uma forma bizarra, com implementação de estatísticas, de falar da parte da tática do jogo, de jornalismo sério e com credibilidade, sendo realista nos comentários.

Era por volta de 2001, foi a primeira vez que minha família instalou TV a cabo em casa, o que foi uma festa para mim, que como típico filho único, passava o dia inteiro em frente a TV. No primeiro dia que tive ESPN, realmente me desapontei, não passava nada naquele canal. O que eu não conseguia entender porque via se falando da emissora em filmes desgraçados de comédia (provavelmente envolvendo Adam Sandler mais do que o recomendável) que uma criança da minha faixa etária assistia (ou não). Eram programas de debates o dia inteiro, em cenários feitos de papelão com cores aleatórias. Eventos? Me lembro ter visto a semi-final da Champions League nesse dia entre Bayern e Real Madrid e só, com 11 anos eu odiava futebol europeu, achava chato, não tinha brasileiros, aquela história toda... E eu esperava ver jogos do campeonato brasileiro naquele canal novo. Não, nada.

Bem, mesmo assim dividi meu tempo vendo aquela porcaria, porque era a única coisa 24/7 que falava de esportes, com Cartoon Network e Nickelodeon.

Um dia eu me lembro de ter colocado num programa aleatório da ESPN a tarde e apareceu esse cara que usava cavanhaque e era tipo um “geek” de futebol, algo que eu nem sabia que existia apesar de meu pai viver me acusando disso. Gostei do cara (mesmo achando que ele era corintiano), ele falava as coisas com segurança, dava as estatísticas mais imbecis do mundo futebolístico e dizia também da parte tática das equipes. Chamavam ele de PVC, nome que pega né. Ele aparecia pouco, mas quando ele estava ali falando eu sempre parava para ver o que ele dizia.

Meu pai tirou a TV a cabo de casa por causa de uma das loucuras aleatórias da cabeça dele (que não tenho vergonha nenhuma de expor pro leitor desse blog: 1- Ele só assistia a Globo e estava pouco se fodendo pro que eu gostava.  2- Ele achava um absurdo a empresa cobrar 5 reais pela revistinha que trazia a programação junto; isso é real.) e só em 2005 esse bem estar de classe média voltou ao meu lar. A ESPN só transmitia os europeus, todos que importavam. E o PVC agora sem cavanhaque, aparecia todos os dias ao lado de Palomino e Trajano no Bate-Bola, o clássico com fundo tosco laranja.

Eu assistia praticamente tudo no canal, Linha de Passe, Futebol no Mundo, Sportscenter, mandava e-mail (cheguei a ganhar kit), a emissora agora tinha outros caras legais também: Mauro Cezar (que no começo era tímido e tinha muito toc), Calçade (que veio de um programa que ao mesmo tempo, era um dos melhores e piores de todos os tempos: Debate Bola, que pretendo abordar outro dia), Flávio Gomes, Paulo Andrade, Antero... e para ser honesto acho que foi durante aquele período de 2005 a 2006, vendo a ESPN que tive certeza que queria ser jornalista.

Para ser sincero o PVC nunca foi o meu comentarista favorito, eu sempre achei ele meio frio, mas não dá para negar que ele é um dos caras que mais influenciou o jornalismo esportivo nos últimos anos e foi ao lado de Trajano, o maior símbolo dos canais ESPN (André Plihal também, mas ele não fica tanto tempo no ar como os outros). Ele foi um dos primeiros a dar essa importância maior as estatísticas, para a história do jogo (e não apenas por ego e demonstrar conhecimento inútil e sim para traçar paralelos pertinentes, né Milton Neves rs.), ao lado tático do jogo e não fez como o resto das comentaristas na época e REALMENTE ASSISTIA os campeonatos europeus e diria que até de certa forma, junto com o canal, foram um dos responsáveis pela popularização no Brasil. (são muitos responsáveis, o que demandariam um texto para explicar.) Além disso, ele contribuiu para abrir espaço na televisão para comentaristas que pensavam futebol de uma diferente dos dinossauros que você vê até hoje na TV aberta.

Eu tenho quase certeza que nunca vai existir um canal de esportes tão bom quanto a ESPN foi de 2005 a 2011. Isso sem transmitir nenhuma competição nacional. O nível do comentário sempre foi o mais elevado e a liberdade para opinar era visivelmente maior do que em outros canais.

Mas isso passou a mudar, de quando o Trajano deixou de ser diretor e o canal tinha no seu DNA 100% jornalismo e pouco entretenimento. (O lema era “informação é o nosso esporte”) Hoje, por mudanças de mercado e de pensamento dos diretores, a emissora buscou incorporar essa parte do entretenimento, mas não de uma forma assumida, até para não chocar os espectadores, que são fieis e idolatram a marca ESPN no Brasil pelo o que ela representa.

Não vem dando certo, são muitos programas de formato semelhante com essa roupagem disfarçada, a barra com twitters passando sem parar de um jeito meio escroto, alguns comentaristas ruins que buscam mais a piada, a coisa viral, do que a análise ponderada. Um bom exemplo disso é o Bate-Bola 2 que agora tem dois apresentadores e três comentaristas, muita gente falando e ao mesmo tempo falando pouco o que importa para quem liga a TV.

E no meio dessa transição perde os direitos de campeonatos como a Bundesliga e a Champions League (e metade do Espanhol, do Inglês...), ironicamente na era do #ESPNTEM.

Agora essa crise de identidade é ainda maior com a saída do PVC. O Fox Sports apesar de muita gente ter um pé atrás, por ter muitos comentaristas da “velha geração”, tenta ser um canal de entretenimento assumido, tem formatos de programas diferentes (alguns interessantes até, por incrível que pareça a Fox parece mais com a ESPN americana do que a própria versão brasileira) e tem investido muito, basta ver os seus estúdios.


Realmente, me chateia o fim da ESPN que eu conheci e me ajudou a amar mais ainda o futebol, mas aquela emissora de 2005-2011, já havia acabado há algum tempo e a saída do PVC só expõe mais isso. A competição com o crescimento de outros canais a cabo só acelerou esse processo, nos resta desejar boa sorte a todos.

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